Pesquisa da USP desvenda o conceito de amor
- Redação Portal Mostra de Ideias
- 30 de set. de 2024
- 4 min de leitura
"Se o amor é um fenômeno e ele existe, pode sim ser mensurado de alguma forma."

Com certeza você já deve ter ouvido os versos: “O amor é fogo que arde sem se ver. É ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer”, de Luís Vaz de Camões, grande poeta lusitano. Agora, em terras tupiniquins, “eu tenho tanto pra lhe falar. Mas com palavras não sei dizer. Como é grande o meu amor por você”, do rei Roberto Carlos. Apesar de estarem separadas por aproximadamente cinco séculos, há algo em comum entre as duas poesias: a tentativa de descrever o sentimento humano mais sublime — o amor. Um conceito extremamente subjetivo, eventualmente tratado dentro da filosofia e por livros de autoajuda.
Ao longo do processo de evolução das sociedades, grandes pensadores das mais diversas áreas possíveis buscaram desvendar essa emoção. Tudo extremamente empírico. Porém, recentemente, tornou-se o objeto de estudo da chamada psicologia positiva. Por muitos anos psicólogos se interessaram somente por fenômenos psicopatológicos, como as neuroses, medos, fobias e outros. Atualmente, essa nova vertente está voltada às questões que buscam promover mais a qualidade de vida e bem-estar das pessoas.
Foi pensando nessa temática que Thiago de Almeida desenvolveu sua tese de doutorado — apresentada ao Instituto de Psicologia (IP) da USP em 2017— O conceito de amor: um estudo exploratório com uma amostra brasileira. Pioneira no cenário científico nacional e internacional, a pesquisa consiste no maior estudo sobre o assunto com grandes amostras populacionais desde a década de 1980.
Se o amor é um fenômeno e ele existe, pode sim ser mensurado de alguma forma. Apenas necessita da produção de instrumentos capazes de captá-lo para esquadrinhar a sua essência.De acordo com o pesquisador, o tema é uma das áreas mais importantes na vida das pessoas. “Procuramos e pensamos sobre ele e seus desdobramentos o tempo todo nos relacionamentos em que estamos inseridos”.
Na pesquisa, participaram 600 indivíduos, dos quais 65% eram mulheres (390), e 34,83% homens (209), com média de idade de 23,82 anos. Eles foram distribuídos em dez grupos de acordo com o grau de escolaridade (escolas particulares, públicas, universitários, formados e fora do âmbito acadêmico), e a cidade de origem.
As pessoas foram expostas a um instrumento designado especialmente para essa análise, e, em apenas 90 segundos tinham que atribuir livres associações à palavra AMOR escrita em uma folha de papel. Ao final dessa etapa, constatou-se a coleta de 3.243 respostas. “Cada pessoa deu mais ou menos cinco a seis respostas por apresentação a esse estímulo. Bom, elas foram analisadas e categorizadas. Logo em seguida, repassadas individualmente a outras cinco pessoas, dentre elas, eu e meu orientador”, explicou Thiago. A partir daí, criou-se 14 categorias totalmente distintas umas das outras, sendo a última composta por idiossincrasias.
Confira a seguir a definição de cada uma, e frases ou palavras coletadas que as representam:
1- Amor como relação entre pessoas específicas, não necessariamente romântica, pois, não se verificou a existência de tais indícios.
Ex: “Lucas”, “William”, ou algum apelido.
2- Amor como algo essencial ou fundamental ao ser humano.
Ex: “Amor é tudo na minha vida” e “Ninguém vive sem amor”.
3- Amor como algo indefinido ou etéreo.
Ex: “O amor não pode se explicar” e “Algo cientificamente inexplicável”.
4- Amor como uma relação romântica entre duas pessoas.
Ex: “Uma das formas de se chamar a namorada” e “Meu relacionamento amoroso”.
5- Amor voltado a elementos da família.
Ex: “primo”, “tio”, “marido” e “neto”.
6- Amor voltado aos amigos.
Ex: “Amigos verdadeiros” e “Amor é quando perdemos um dente e seus amigos continuam te amando do jeito que você ficou”.
7- Amor voltado a entidades divinas ou sobrenaturais.
Ex: “Deus”, “Jesus” e “Nossa Senhora”.
8- Amor voltado a animais irracionais — de estimação.
Ex: “cachorros” e “papagaio”.
9- Amor voltado a seres inanimados. Nessa categoria vemos pessoas valorizando objetos, como dinheiro, obras de arte ou literária.
Ex: “Amo Mario Quintana”.
10- Amor dirigido a si mesmo.
Ex: “Eu”, “Ter amor a própria vida” e “Amar é também se amar”.
11- Amor como fonte de emoções, atitudes e comportamentos positivos.
Ex: “afinidade’, “empatia”, “paciência” e “compreensão”.
12- Amor enquanto fonte de emoções, atitudes e comportamentos negativos.
Ex:. “choro”, “dor”, “ suicidio” e “quero morrer”.
13- Outras respostas que tiveram menos de 5% de representatividade, e não eram contempladas nas anteriores, foram alocadas nessa categoria.
Ex: “sacrifício”, “planejamento”, “sonhos” e “onde está o meu amor”.
Entendimentos sobre o amor
A análise dos dados confirmou pontos já conhecidos. “Os homens são mais propensos a relacionar amor ao sexo. E as mulheres relacionam mais ao romance”, explica Thiago. Mas quando o assunto é família, verificou-se que elas se importam em grau superior com essa referência. O senso comum também foi colocado contra a parede em determinados apontamentos. “São as mulheres que valorizam mais as amizades. A gente sempre pensa que homem acoberta o outro, mas não, as mulheres se preocupam bem mais com a rede de amigos”. Outro ponto bastante interessante levantado é a questão do romantismo. “Minha pesquisa mostrou que a mulher é mais pragmática e o homem mais romântico”.
O professor José Fernando Lomônaco, especialista em conceitos e orientador do estudo, conclui que o amor é um conceito ainda muito geral, e se refere a muitas coisas. “Não é só o amor carnal, ou de um homem para uma mulher. Devemos ter cuidado ao especificar o tipo de amor que estamos nos referindo, já que um dos objetivos foi mostrar a grande variabilidade de aspectos aos quais ele está relacionado”.
A tese foi transformada em livro, cujo título é Conceito de amor: um estudo exploratório com participantes brasileiros, lançado no final de junho de 2018 pela editora Pedro & João Editores.
Fonte: Periscópio; Wender Salles, Agência USP de Notícias
Foto: M. Fischetti
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